Um Brasil distópico em que um governo autoritário ordena que todos os cidadãos afrodescendentes se mudem para a África – criando caos, protestos e um movimento de resistência clandestino que inspira a nação. Essa é a história de “Medida Provisória”, filme que marca a estreia do ator Lázaro Ramos como cineasta.
Gravado em 2019, o longa foi muito premiado em festivais nacionais e internacionais. Adiado pela pandemia, a estreia do filme foi marcada para 14 de abril deste ano. O elenco reúne nomes como Taís Araújo, Seu Jorge, Alfred Enoch, Emicida e Aldri Anunciação.
Inicialmente, a Região dos Lagos não iria ter exibições do filme. Porém, o Movimento Negro Perifa Zumbi e o Movimento de Mulheres da Região dos Lagos foram até um cinema que fica em um shopping de Cabo Frio, no bairro Novo Portinho, para cobrar a exibição do longa.
Com o compromisso de um representante da unidade, desde 21 de abril, “Medida Provisória” está em cartaz. As primeiras sessões inclusive, ficaram lotadas.
Contrastando com a aclamação da crítica, indicações e prêmios em festivais, antes mesmo de estrear, o enredo de “Medida Provisória” sofreu ataques e foi vítima de atrasos e tentativas de boicotes.
“O filme, bancado com recursos públicos, acusa o governo Bolsonaro de crime de racismo. Temos o dever moral de boicotá-lo nos cinemas. É pura lacração vitimista e ataque difamatório contra o nosso presidente”, disparou o ex-presidente da Fundação Palmares, Sérgio Camargo, em suas redes sociais.
Convidada pelo Portal Costa do Sol, a escritora e crítica de cinema Maria Caú, filiada à Associação Brasileira de Críticos de Cinema (Abraccine), comentou sobre o filme.
“Não é coincidência que tantos cineastas brasileiros estejam imaginando Brasis distópicos estrategicamente localizados em futuros próximos. Esses países imaginários representam tendências que podem ser observadas facilmente na guinada conservadora do país nos últimos anos“, analisou Maria.
A escritora cita os exemplos de “Bacurau”, de Kleber Mendonça Filho, e “Medusa”, de Anita da Rocha Silveira, que deve ser lançado esse ano.
“Temos cineastas que burilam pesadelos estranhamente reais e que, por isso mesmo, produzem filmes impactantes, que, ao acender das luzes, deixam o espectador com o sobressalto que marca o acordar de maus sonhos”, pontuou.
“É nesse conjunto de filmes que se insere a segura estreia de Lázaro Ramos na direção de longas-metragens de ficção. “Medida Provisória” traz um elenco excelente com uma representatividade racial muito marcante, um protagonismo negro poucas vezes visto no cinema nacional”, afirmou Maria.
Um dos destaques da crítica fica por conta de Seu Jorge, que, segundo ela “está maravilhoso como um contraponto de humor ácido numa trama tão densa”.
“A narrativa tem alguns deslizes de roteiro, principalmente um desfecho um pouco apressado, que dá a sensação de que o filme poderia facilmente ter 15 minutos a mais. O longa, no entanto, conquista porque fala com muita propriedade do lugar do negro num país racista como o Brasil, de como o racismo aqui é continuamente maquiado e escondido sob uma ideia de democracia racial que nunca existiu”, escreveu Maria.
“É um filme muito forte e o impacto de assisti-lo no cinema é intenso. A gente acaba reconhecendo a realidade da distopia e nosso lugar nela, um lugar extremamente desconfortável para o espectador branco, que acaba aqui e ali se reconhecendo nas caricaturas dos vilões, mesmo que na nossa intensa necessidade de negar nosso parentesco com eles – e que bom que o filme causa essa reflexão”, concluiu.
@mariaccau
Por Luiz Felipe Rodrigues, estagiário sob supervisão de Renata Castanho.
Onde está sendo exibido? No park lagos não está…..