Rita Pessoa, poeta premiada, diz que a relação com a água salgada da lagoa de Araruama é comum em seus textos

Rita Isadora Pessoa Soares de Lima tem nome de princesa e costumava ler os grandes mitos da literatura como se fossem contos de fada. Rita, 36 anos, nasceu no Rio de Janeiro e cresceu em Araruama onde residiu até os 19 anos. “ Em 1990, depois de sua aposentadoria, meu avô decidiu que queria morar na sua “casa de praia” e viemos em família para a Região dos Lagos: sempre na dobradinha Praia Seca/Araruama. ”

Rita Pessoa é mais um desses talentos que Araruama produz e, ao mesmo tempo, perde para os grandes centros por falta de incentivos, recursos e oferta de trabalho. Entre 134 países o Brasil ocupa a posição número 75 em sua capacidade de atrair e reter talentos, de acordo com o Índice Global de Competitividade por Talentos 2020, estudo realizado pelo Insead, França.

Graduada em Psicologia, mestre em Teoria Psicanalítica (UFRJ) e doutora em Literatura Comparada (UFF), Rita Pessoa é uma poeta premiada vencedora do prêmio Cepe Nacional de Literatura na categoria Poesia com seu livro “Mulher sob a Influência do Algorítimo” em 2017 e 2º lugar no prêmio Off-Flip com o livro “Como Batizar um Ciclone no Atlântico” em 2018.  Apesar das dificuldades que o mercado editorial enfrenta, Rita publicou ainda os livros: Vida nos Vulcões (Oito e Meio) em 2016;  e Madame Leviatã (Macondo) em 2020, além de várias outras publicações em coletâneas.

   Meu interesse por literatura surgiu tão logo eu aprendi a ler e escrever. Quiçá antes, pois minha mãe conta que eu gostava de abrir os livros da casa e fingir que estava lendo, com três, quatro anos de idade. Meu avô e minha mãe eram leitores que tiveram bastante influência sobre mim. Nós tínhamos, os três, carteirinhas da biblioteca municipal de Araruama e sempre emprestávamos livros, geralmente o número máximo permitido.

A poesia entrou na vida de Rita Pessoa ainda na adolescência, no Colégio Araruama: “Foi quando entrei em contato com os poetas ultrarromânticos e simbolistas. Daí comecei a me interessar também pela veia sombria de Augusto dos Anjos no primeiro momento da minha fase gótica. Achei em casa os livros dos portugueses Fernando Pessoa, Florbela Espanca e Mário de Sá Carneiro, e então eu me apaixonei de vez”.

“A poesia é muitas coisas para mim: uma maneira de me aproximar e me assombrar com o mistério de todas as coisas; uma busca estética e um lugar para endereçar o meu desconforto com a própria existência”.

Todo poeta tem o seu ou mais de sua preferência. Rita tem alguns: “ Sylvia Plath, Hilda Hilst, Emily Dickinson, Ana Cristina César, Anne Carson, Adelaide Ivánova, Louise Glück, Emily Brontë. Os motivos que me levam a amar o trabalho de um poeta são variados: de uns eu amo o humor e a inventividade na linguagem, de outros, eu aprecio a capacidade de criar uma própria mitologia e por fim, gosto da vertigem e do delírio”, diz ela

A importância da leitura na vida de uma criança e o incentivo à mesma deve começar cedo, nos primeiros anos de vida.

   Me lembro que a minha mãe comprava muitos livrinhos infantis em sebos, no Rio. Eu tinha umas edições velhas de Contos de Grimm; Contos de Hans Christian Andersen; algumas edições juvenis de clássicos para crianças, como Mil Léguas Submarinas, de Jules Verne, e Os miseráveis, de Victor Hugo. Por volta de 8, 9 anos, eu achei umas edições de capa dura de mitologia clássica da minha mãe.  Imagine ler que Cronos/Saturno engolia seus filhos com medo de ser deposto por um deles. Eu tinha pesadelos terríveis, mas seguia lendo.

Para quem está começando a se interessar por poesia Rita Isadora recomenda alternar leituras dos antigos/clássicos com os vivos/contemporâneos. “Muita gente tem uma ideia da poesia como algo solene ou anacrônico. É preciso se aproximar dos autores para sobrepujar os primeiros estereótipos e resistências. Eu recomendo muito as oficinas de leitura e de escrita de poesia que têm sido oferecidas por escritores e pesquisadores. É uma maneira muito eficaz de dessacralizar alguns lugares e colocar-se mais próximo do universo da literatura e de quem escreve”, diz ela

   O mercado editorial enfrenta dificuldades de crescimento no Brasil, porque o país não investe no básico, que são as bibliotecas, a formação de leitores. Há de se buscar alternativas para publicação de um livro.

   O ideal é buscar contato com as editoras independentes, que são muito mais predispostas em investir em autores novos. Há também as campanhas de financiamento para publicação, que costumam funcionar bem para esses fins. É interessante também ficar de olho nos editais de publicação — tanto os de editoras quanto os certames públicos.

“A experiência de ter crescido numa cidade pequena e litorânea está completamente marcada na minha posição subjetiva de mundo. E a minha posição subjetiva acaba, por sua vez, crivando os meus textos. Nesse sentido, vejo a relação com a água, sobretudo a água salgada, aparecer com frequência, principalmente no meu primeiro livro”.

   Ter ganho um prêmio Nacional de Literatura por seu livro “Mulher sob a Influência do Algorítimo” representou para Rita Pessoa um reconhecimento e a espera de que ele chegasse a mais leitores.

   Foi muito importante mas, na verdade, prêmios literários têm um aspecto agridoce, sabe? De fora, pode parecer que dão alguma segurança ou estabilidade. Mas não há garantias na literatura — acho que na arte, de forma geral. Escreve-se um livro e nada nem ninguém garantirá que haverá outro. O contrato com a criação é delicado e exige humildade e, em especial, a capacidade de submeter-se a algo maior do que si mesmo, sem saber o que virá ou se haverá retorno.

Rita Pessoa é uma jovem com múltiplos talentos, um deles é a leitura de cartas de tarô que se interliga com a sua escrita. “ Sem sombra de dúvida. A minha relação com o mistério pauta tanto a minha relação com os oráculos quanto a minha relação com a poesia”, finalizou.

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