A palestrante e escritora Aline Botelho, doutoranda e coordenadora de Promoção da Igualdade Racial em Araruama (RJ), é a convidada do 97º episódio do PodCosta, o podcast da Rádio Costa do Sol FM. Nascida em Belford Roxo, na Baixada Fluminense, ela transforma educação em ferramenta de “reexistência”, unindo ancestralidade, literatura e políticas públicas para combater o racismo estrutural. Autora de obras como “Há 4 Anos Sou Preta” e “Os Encantos de Enila”, Aline defende que a escola é chave para a positivação da identidade negra.
Durante a entrevista, Aline descreve as “travessias” como processos de ruptura com padrões opressivos.
“São cercas invisíveis de arame farpado que marcam corpos negros”, diz, referindo-se às barreiras sociais que mulheres negras enfrentam para ocupar espaços como universidades, palestras ou cargos de gestão. Ela ressalta a interseccionalidade do racismo e do patriarcado: “A violência não é só física; é psicológica, patrimonial, e a mulher negra sente em dobro”.
Criada em Belford Roxo — cidade estigmatizada por fake news como “a mais violenta do mundo” —, Aline migrou para a Bahia na adolescência, retornou para cursar magistério e, após anos como professora, acessou a universidade via políticas públicas. Foi no mestrado, ao estudar mulheres negras no PAFOR (Plano de Formação Docente), que se reconheceu como mulher preta: “Eu me via como ‘moreninha’ e violentava meu cabelo com formol. A literatura negra me salvou”.

Educação Afrocêntrica vs. Antiracista
Aline explica a diferença entre as duas abordagens: enquanto a educação antiracista reage a episódios de discriminação, a afrocêntrica promove a consciência racial antes que o racismo aconteça. “É mostrar que Kemet (Egito antigo) teve a primeira universidade, que África é potência, não só miséria”, afirma. Em Araruama, ela lidera a implementação das leis 10.639/03 e 11.645/08, com formações para professores e um projeto premiado nas comunidades quilombolas locais.
Literatura e Ancestralidade
Seu livro infantil “Os Encantos de Enila” narra a história de uma menina que alisa o cabelo para ser aceita, mas resgata sua autoestima através da avó. “É sobre pertencimento”, diz Aline, que destaca a importância de conhecer as raízes familiares: “Minha avó indígena foi sequestrada aos 8 anos; trago essa memória para fortalecer minha luta”.
Com formações em rede e a criação de diretrizes para políticas públicas, Aline busca consolidar um currículo afrocêntrico em Araruama. “A mudança é lenta, mas o afeto move”, disse.
Por Luigi do Valle