Milton Alencar: cineasta premiado em busca da preservação da memória audiovisual

Prestes a completar 70 anos, Milton Alencar Jr. é, hoje, uma das maiores referências de Cultura na Região dos Lagos. Além de cineasta com nove longas-metragens no currículo, Milton foi, durante 14 anos, secretário de Cultura de cabo frio nos governos de quatro prefeitos diferentes.

Filho de um militar e de uma servidora pública federal, Milton nasceu em Fortaleza, no Ceará, em 1952. No fim dos anos 50, Alencar se mudou para o estado do Rio de Janeiro, onde realizou toda sua formação acadêmica.

A história dessa verdadeira lenda da cultura da Região dos Lagos com o cinema começa nos anos 70. Milton passou no vestibular para Comunicação na Universidade Estadual da Guanabara, porém, logo conseguiu transferência para o curso de Cinema da Universidade Federal Fluminense (UFF).

Logo no começo da faculdade, Milton precisou fazer um trabalho com alguém da área de cinema. A escolha do grupo dele foi falar sobre a comédia erótica, a pornochanchada, e homenagear Jece Valadão. A partir daí, iniciou, entre os dois, uma relação intensa de trabalho e amizade.

Jece chamou Milton para trabalhar com ele no Magnun Studios em 1972. Milton trabalhava nos bastidores do filme em postos como roteirista, escritor além de assistente de direção.

Alencar passou a ser conhecido como um ótimo técnico, um bom editor e bom cortador, já que, naquela época, se trabalhava direto com a película.

Entre os mais de 20 filmes em que atuou nessa época, o profissional esteve com gigantes do cinema, como Anselmo Duarte e Victor Lima.

“Fiquei na Magnun os primeiros 10 anos, até que eu dirigi meu primeiro filme, o ‘Fruto do Amor’ [1981]. A gente conseguiu, através da Magnun, a possibilidade do financiamento da Embrafilme”, contou Milton.

O elenco do filme contou com nomes como Paulo César Pereio, Ruth de Souza e Rodolfo Arena. “Uma época maravilhosa”, segundo Alencar.

Nesse longa, inclusive, Milton contou com roteiro de José Louzeiro, outro grande parceiro de sua carreira. Seis dos nove filmes de Alencar contam com roteiro dele.

Os dois se conheceram em 76, quando Milton, que já era um assistente de direção reconhecido dentro da Magnun, trabalhou com Louzeiro no filme “Os Amores da Pantera”.

“A gente fez um curta metragem chamado ‘Palacio de Cristal’, baseado em um conto do Louzeiro. Aí o Valadão falou ‘pô, esse negócio ficou tão legal, que acho que a gente tem que aumentar’”, contou Milton sobre a criação do roteiro de “Fruto do Amor”.

História de Garrincha

Um dos principais trabalhos de Milton veio mais de 20 anos depois: o longa “Garrincha – Estrela Solitária”, de 2003.

Milton contou ao Portal que começou a pensar na história em 1998, quando já era secretário de Cultura de Cabo Frio.

Em um tempo pré-internet, em que tudo era feito presencialmente, o roteiro do filme foi escrito durante as madrugadas com o auxílio de um roteirista que passou 4 meses morando na casa de Milton.

“A gente teve a participação do Aldir Blanc e de um monte de gente importante na confecção do roteiro e do filme. Foram pessoas que leram, que viram, que conhecem a história do Garrincha e foram importantes”, comentou Milton.

Na ocasião do filme, Milton trabalhou com nomes do calibre de Taís Araújo, protagonista do longa na pele de Elza Soares (1931 – 2022), e a própria Elza Soares, que gravou a performance de uma música para a produção.

Pelo longa, Milton foi indicado a Melhor Filme no Festival de Cinema de Bogotá, na Colômbia. Na mesma categoria, ele venceu o prêmio da audiência no Cine PE – Festival Audiovisual, em Recife, capital de Pernambuco.

Pelo longa, Taís Araújo também saiu com o prêmio de Melhor Atriz do Brazilian Film Festival of Miami, nos Estados Unidos.

As Eras do Cinema

Na relação da produção cinematográfica dos anos 70 para hoje em dia, Milton destaca o processo de digitalização.

“Eu sou de uma geração que fazia cinema pegando na película. Esses filmes que eu fiz a vida toda me tornaram um bom técnico. Hoje, me considero um bom editor porque fui um bom montador”, disparou Alencar.

“As tecnologias são muito diferentes, mas a essência é a mesma: montagem de atrações. Essa propriedade que requer a ciência do trabalho que eu desenvolvo até hoje na minha vida é fundamental”, afirmou o cineasta.

Milton contou que a mudança no formato da realização das obras deixou muita gente para trás e disse que viu muitos amigos que eram técnicos de mão cheia que não conseguiram sobreviver à transformação.

“Essas diferenças se deram um prazo razoável de 10 anos. A tecnologia mudou o modo de olharmos, os olhares tem que ser reavaliados, mas a base, a essência, em princípio, é a mesma”, opinou.

Próximos passos

O cineasta contou ao Portal Costa do Sol que está envolvido com vários projetos. Uma das ideias é um filme sobre o Círio de Nazaré, traçando uma linha de fé entre as celebrações que acontecem em Nazaré, em Portugal, Belém do Pará e Saquarema, na Região dos Lagos fluminense.

Milton também está atrás de realizar uma adaptação da obra “O Filho do Pescador”, de Teixeira e Souza. O trabalho já está nas mãos de Milton há muito tempo, mas ele não consegue avançar devido a dificuldades de concretizá-lo

Contudo, o menino dos olhos de Milton é um projeto para recuperação da memória audiovisual.

“Já que estou envelhecendo, eu comecei a olhar um pouco pra trás. Eu estava sempre olhando para frente. Mas, em momentos como esse, olhei para o retrovisor e comecei a sentir uma saudade e tive vontade de que outras pessoas pudessem sentir a mesma coisa que eu sentia, ou, ao menos, entender a sensação ligada ao audiovisual, à produção cultural, ao que fiz como dirigente de Cultura”, afirmou.

Milton ressaltou que é necessário superar o que vivemos no país hoje em relação à cultura. Para o cineasta, o grande desafio da área é vencer o “atraso” que tem sido proporcionando aos setores nos últimos anos.

Sobre o panorama da Cultura na Região dos Lagos, Milton evita se posicionar justamente por entender as dificuldades que os gestores de culturas sofrem, mas reafirmou, de forma geral, que o desafio é vencer o atraso.

“Para esse objetivo, de alguma forma, eu estou empenhado. Com meus filmes, com minha fala, com um pouco da minha luta, com meu entendimento”, concluiu Alencar.

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