Meu nome é Gal!

Faz 43 anos que eu encontrei uma bela moça magra e esguia, dona de uma voz que já tinha conquistado um grande público fiel e atento às suas novas canções, lançamentos de discos e shows.

Maria da Graça Costa Penna Burgos, Gal Costa, tinha apenas 33 anos e eu 24 anos e ela já fazia um enorme sucesso no Teatro Castro Alves no Rio de Janeiro com o show mais icônico da MPB e o mais importante de sua carreira e um público diário de 500 pessoas: “Gal Tropical”, a que assisti e fiquei impactada com os figurinos de Guilherme Guimarães, as interpretações únicas de cada canção, a produção. Foi lindo!

Marcamos a entrevista numa bela casa em Ipanema, zona sul do Rio de Janeiro, residência do famoso produtor Guilherme Araújo, e ela chega na hora marcada vestindo um mini macacão branco curto, óculos escuros, sandálias de dedo, sem nenhuma maquiagem. Os poucos adereços que usa são algumas pulseiras de ouro e um cordão de seu orixá, Iansã. Comento que ela está mais magra e ela diz que ‘toda vez que antecede um show fico ansiosa e emagreço. Mas assim eu me sinto mais bonita’.

A princípio ela faz algumas objeções quanto às fotos, por não estar arrumada, com a conhecida boca vermelha, que a imprensa, em 1968, dizia ser um comportamento tão agressivo e irreverente quanto o ‘Divino Maravilhoso’ que a levou à fama. Passados alguns minutos ela se deixa convencer da importância e fica à vontade.

Esse show ‘Gal tropical’ difere bastante dos anteriores, com diversidade das músicas, figurinos mais luxuosos:

-Esse é mais maduro em vários ângulos, por ser um novo trabalho numa fase em que em que me encontro mais velha e cantando melhor. O repertório é bastante aberto, vai de Chico Buarque, Gonzaguinha à Carmem Miranda. Os figurinos são uma rumbeira vermelha muito alegre e um vestido dourado que tem a ver com as escolas de samba e a retomada dos sapatos porque desde o show ‘Fatal’ eu venho cantando descalça.

Esse fato de usar sapatos numa época e andar descalça em outra, tem um significado especial?

-Foram épocas… Eu surgi num momento de acontecimentos novos no país. Um modelo cultural, onde o jovem estava se liberando e eu era a porta-bandeira disso: cabelos assanhados, comportamento agressivo. Essa fase veio com o meu trabalho numa época radical, as pessoas gostavam ou não; A minha figura foi mudando com o tempo e a minha beleza e postura foram ficando acessíveis às pessoas. Eu vivo e canto o meu tempo.

Você se sente mais bonita?

-Eu me sinto mais bonita agora porque eu sempre gosto mais da última coisa que faço e me acho mais bonita porque emagreci, estou mais elegante.

A diversidade de ritmos no seu show (baião, choro, samba, etc) seria uma proposta de fazer algo bem brasileiro?

-Também, ele é mais brasileiro no sentido de ser mais aberto como repertório e como uma procura de caminhos na MPB. A música brasileira é internacional e muito rica ritmicamente, assim como esse trabalho que é muito em função de tudo que aconteceu na minha vida. Com minha viagem à Europa e Argentina eu senti a força de nossa música. Isso fez com que eu ampliasse o meu trabalho e ficasse sabendo que a nossa música abrange todo o mundo, desde uma senhora até uma criança. Acho que esse show vai me trazer um público novo e isso me deixa muito feliz. Ontem (16/01/1979) quando eu estava cantando ‘Dez anos’, um sucesso de Emilinha Borba eu vi uma senhora de cabelos brancos chorando e fiquei emocionadíssima.

A seleção das músicas foi sua?

O repertório foi uma escolha minha e do Gilberto Araújo, depois de ouvirmos muita música. No repertório tem alguma coisa do meu disco ‘Água Viva’ e durante os ensaios eu inseri muita coisa.

O público não te cobra uma posição ideológica?

-Não, porque nunca fui ligada à ideologias, temáticas. Além do mais eu sempre fugi dessa coisa, sou uma cantora que canta coisas que gosta. Música e arte são feitas para trazerem alegria e esse show é basicamente alegre. O que o público me cobra é isso: a alegria, a vitalidade e a força que eu dou no palco. Ele quer me ver cantando melhor e mais madura no meu trabalho.

O que você acha de artistas que fazem espetáculos com intenções políticas?

-Eu respeito e acho que cada um deve fazer o que quer e o que gosta. Acho que arte é desligada da política, no sentido da militância, porque ela já é política por si só e pela transformação. Chico Buarque faz isso de uma forma maravilhosa e verdadeira, por isso ele é um grande sucesso. Ele é um dos maiores compositores brasileiros e todo o seu trabalho é respeitado por mim, como temática e ideologia.

Você diz que Chico é um grande sucesso por fazer espetáculos políticos, ao contrário de você. A que atribui o seu sucesso?

-À coisa de ser verdadeiro. Sou o oposto dele mas também sou verdadeira. São dois lados diferentes. Acredito que também faço coisas políticas na medida em que elas se transformam e se renovam. Quando a guitarra dá um agudo eu dou outro junto e o público inteiro se levante. Política pra mim é transformação, movimento, vibração, força e vontade.

Segundo Gal Costa ela teve que recorrer a clássicos da música brasileira por não encontrar novos compositores.

-Este é o grande problema do cantor. Estou querendo abrir caminho nos Estados Unidos e no mundo porque acho que está na hora de nossa música penetrar. Os americanos estão procurando gente jovem. Fui com o Caetano para Paris, Roma, Genebra e as pessoas nos aplaudiam de pé, parecendo fascinadas. Na Europa a música é decadente, ao contrário da cubana e da americana.

Como você vê esse caráter industrial que a música vem adquirindo?

– Acho que é inevitável. Discoteca e tudo o que o americano manda, vira praga. É isso, não reclamo não. A música americana tem força mesmo.

Essa força da música americana chega a abafar a nossa?

-Nem um pouco. De jeito nenhum, faz sucesso quem faz sucesso. Não atrapalha nem o meu sucesso nem o de Gil, Chico, Betânia, Elis, Caetano.

Você nasceu Maria da Graça e foi lançada com esse nome no elepê da Betânia, cantando uma das faixas. Em 1966 você foi lançada como Gal No Festival Internacional da Canção.

-Sim, no elepê da Betânia cantava uma música que o Caetano fez pra mim e no festival o Roberto Menescal me ouviu e na mesma noite me propôs a gravar. Esse festival me abriu um enorme campo de trabalho. Gravei o meu primeiro disco ‘Domingo’ com Caetano, depois ‘Alegria, alegria’ em que cantei ‘Divino Maravilhoso’ e iniciei uma carreira de sucesso.

Em 11 anos de carreira o que mudou em você e como se sente agora?

-Nesse tempo muita coisa mudou e hoje me sinto segura, madura, gostando de cantar e de fazer o que eu quero. Por exemplo, adoro fazer esse show e agora faço as coisas com mais amor. Ter 33 anos de idade não é a mesma coisa de 24, rs.

Fale um pouco de você, fora do lado profissional.

-Tenho 33 anos, sou baiana (rs), libriana, filha de Iansã. Ah eu não sei falar mim não… só se você perguntar, rs Gosto de ir à praia, cinema e sou muito quieta. Gosto de ficar em casa, com meus cachorros, minha família, amigos mais íntimos e ouvindo música, mas tem fases que saio muito, badalo. Ouço muito Caetano, Roberto Carlos, João Gilberto, Betânia, Gil, Chico, Mercedes Soza, Stevie Wonder, Billie Holiday, Aretha Franklin, Ray Charles, Tom Jobim, Gonzaguinha.

Qual a importância da religião em sua vida?

-Muito importante na medida em que preciso me ligar em alguma coisa e ter fé em algo maior. Sou do candomblé, mas todas as religiões levam à mesma coisa. O Candomblé é muito bonito e forte porque fala das coisas primitivas, das coisas ligadas à natureza. Iansã, o meu, representa o raio e o vento. Acho que toda religião lhe dá uma paz interior, assim como a psicanálise que eu faço. Sou muito mística e tenho muita fé. Pra mim fé é como estar no palco: uma coisa mágica.

Mais feliz?

Com certeza, porque no palco é o momento em que estou criando, em que estou dando o máximo de mim.

Queria um filho agora?

-Não… num momento há muito tempo atrás (rs). Tenho vontade de ter um filho como toda mulher, porque acho que me completaria como ser. Acho que a gente pode parir um filho de várias maneiras, como por exemplo fazer um show, porque é uma criação.

Por Renata Castanho

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