O cinema brasileiro é repleto de filmes que se tornaram verdadeiros sucessos, entre eles, “Cidade de Deus”, dirigido por Fernando Meirelles, é um dos mais bem avaliados do cinema nacional, sendo indicado em quatro categorias no Oscar de 2004.
Apesar disso, as produções nacionais, em geral, são pouco aproveitadas pelo público que costuma ir ao cinema, existindo um certo preconceito inexplicável quando analisamos de forma ampla.
Desde que anunciaram o lançamento de “Barbie” e “Oppenheimer”, o fenômeno “Barbienheimer” se tornou imensurável, atingindo recordes de audiência e arrecadando milhões em bilheteria nacional. Esses números são assustadores quando pensamos em como consumimos tantos filmes “Hollywoodianos” e não valorizamos o mercado audiovisual brasileiro.
De acordo com a Agência Nacional de Cinema (Ancine), o Sistema de Controle de Bilheteria (SCB), mostra que, enquanto em 2018 e 2019 os filmes nacionais correspondiam a cerca de 14% das sessões realizadas após as 17 horas, no ano passado esse percentual caiu para 7%, sendo atualmente apenas 1% dos filmes em horários até 16 horas.
O crítico e fundador do portal Depois do Cinema, Pedro Guedes, acredita que essa baixa bilheteria é resultado direto de anos de políticas de desmonte e desvalorização, não só do cinema, mas da cultura brasileira como um todo. “Até poucos anos, podíamos contar com a “cota de tela”, uma medida que era fundamental por impor vida útil às produções nacionais nas salas de cinema, permitindo que estas obras estreiem em circuitos numerosos e tenham a chance de conquistar um público, expressivo ou não, mas algum público, e impedir que uma superprodução multimilionária feita por Hollywood monopolize os cinemas do Brasil, tomando a maior parte das salas para si e sufocando outros lançamentos que têm o direito de ocupar mais espaços”, destaca o crítico.
No dia 29 de agosto, a cota de tela cinematográfica, um projeto de lei nacional que obriga as empresas exibidoras a incluírem em suas programações de filmes nacionais por um determinado número de dias, além do limite de ocupação máxima em salas de cinema, passou por uma alteração, retirando as salas de cinema da proposta e beneficiando apenas a TV paga. O projeto estava sem validade desde 2021 e previa aprovação da cota de tela no cinema e na TV até 2043.
O crítico ainda observa que cota de tela para TV fechada e streaming é indispensável, mas que não há como desconsiderar a sala de cinema que, segundo o mesmo, é um templo sagrado para uma parcela notável do público. “Estou longe de ser daqueles que acreditam que a TV por assinatura “acabou”, o público que consome TV a cabo pode até ser bem menor do que já foi, mas ainda existe. O mais absurdo é supor que o público do cinema está escasso, que salas de cinema pertencem ao passado. Os números comprovam que não, a sala de cinema permanece viva e a pleno vapor, seja se tratando de superproduções como “Top Gun: Maverick” ou “Avatar 2”, seja no caso de produções nacionais que alcançaram excelentes resultados nas bilheterias como “Medida Provisória” ou “Marighella” e, portanto, comprovaram que o público está, sim, interessado em ver filmes brasileiros no cinema. Sem cota de tela, sem uma imposição de quantidade mínima de conteúdos locais e sem um limite para produções estrangeiras que venham aqui em busca de monopólio, até mesmo uma produção brasileira que tenha grande visibilidade em termos comerciais pode ter sua vida sufocada por mais um blockbuster norte-americano”, observa Pedro Guedes.
Um dia após o projeto sair de pauta do Congresso Nacional, o Estado do Rio de Janeiro aprovou em primeira votação, na Alerj, a Cota de Tela Estadual. De autoria do deputado Munir Neto (PSD), o projeto prevê a exibição de um percentual mínimo de filmes brasileiros nas salas de cinema do Estado. A lei também prevê um limite de ocupação simultânea das salas por um mesmo título internacional.
A “Cota de Tela Estadual”, como é denominado o projeto, será definida levando em conta os dias de exibição, número de salas do complexo e a quantidade mínima de obras brasileiras a ser exibida. Segundo a proposta, cinemas com apenas uma sala terão que exibir anualmente ao menos três títulos brasileiros diferentes e as obras devem ficar em cartaz por no mínimo 28 dias. Já os cinemas com 31 a 40 salas, por exemplo, terão que ter filmes brasileiros em cartaz por pelo menos 43 dias no ano e precisarão exibir 24 obras brasileiras anualmente.
“Me pareceu uma decisão bastante acertada da ALERJ. As medidas e proporções, levando em conta a quantidade de salas por cinema e o tempo mínimo ou máximo de obras nacionais ou estrangeiras, me soaram adequadas. É um número que me parece realista, considerando os diferentes portes de cada exibidor. Além disso, um cinema com dez salas poder dedicar no máximo três a um filme estrangeiro é um avanço, ainda mais se comparado ao cenário que vimos nos últimos anos com relação aos maiores lançamentos hollywoodianos. O que espero, no entanto, é que essa medida permaneça pelos próximos anos em vez de ser abandonada ou sabotada”, destaca o crítico.
Pedro ainda observa que esse projeto é apenas o início para colocar o cinema nacional ainda mais entre a população e, que mesmo assim, é preciso que haja um aumento de salas exibidoras para fora dos eixos que já as têm. Segundo o especialista, a quantidade de municípios no Rio que não têm cinema é enorme. “Se expandirmos este número para o restante do país, a coisa fica mais revoltante ainda, há uma exclusão clara, uma falta de acessibilidade clara à cultura audiovisual do Brasil”, observa.
Sendo o Brasil uma nação notória por sua diversidade, com uma grande riqueza cultural, o cinema acaba sendo reflexo de todas as manifestações artísticas possíveis do próprio povo, de quem ele é após séculos de história e formação. Sem o cinema brasileiro, há uma história do Brasil contada de forma incompleta, sem fazer jus à diversidade de seus habitantes.
“Eu costumo dizer que contar a história do cinema brasileiro é contar a história do Brasil, pelo menos desde o surgimento do cinema brasileiro em si. Desde seu advento, o cinema brasileiro reage com precisão absoluta a cada momento, a cada tendência, a cada governo, a cada crise e a cada fenômeno de sua sociedade conterrânea. E, sem medo de soar ufanista, digo também que conheço pouquíssimas filmografias de países ao redor do mundo que tenham histórias e trajetórias tão fascinantes quanto a do cinema brasileiro; estudar a jornada de décadas do cinema brasileiro é um exercício viciante, que instiga de modo imparável”, conclui.
Desde comédias marcantes até dramas emocionantes, o cinema nacional oferece uma grande variedade de histórias. Por isso, o Portal Costa do Sol separou 5 indicações de filmes brasileiros que você precisa assistir:
O AUTO DA COMPADECIDA
Baseado em uma peça teatral escrita pelo autor brasileiro Ariano Suassuna em 1955, “O Auto da Compadecida” conta as aventuras de João Grilo e Chicó, dois nordestinos pobres que vivem de golpes para sobreviver. Eles estão sempre enganando o povo de um pequeno vilarejo, inclusive o temido cangaceiro Severino de Aracaju, que os persegue pela região.
Recentemente foi anunciado que o clássico da comédia brasileira vai ganhar uma continuação com produção da Conspiração e H2O Films, dirigido por Guel Arraes e Flávia Lacerda, “O Auto da Compadecida 2” tem seu lançamento previsto para 2024.
Disponível: Globoplay e Amazon Prime Video
BACURAU
“Bacurau” é um filme de 2019, dirigido por Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles, que explora a vida dos moradores de um pequeno vilarejo do sertão brasileiro que não consta em nenhum mapa. Ao longo do enredo, os protagonistas percebem algo estranho na região, enquanto drones passeiam pelos céus e estrangeiros chegam à cidade. Quando carros são baleados e cadáveres começam a aparecer, Teresa, Domingas, Acácio, Plínio, Lunga e outros habitantes chegam à conclusão de que estão sendo atacados e precisam identificar o inimigo para criar um meio de defesa.
Disponível: Globoplay
MARTE UM
“Marte Um” é um filme de 2022, dirigido por Gabriel Martins, que explora a história de uma família negra da periferia de Contagem, Minas Gerais, buscando seguir seus sonhos em um país que acaba de eleger como presidente um homem de extrema-direita, que representa o contrário de tudo que eles são.
O longa foi uma das grandes apostas nacionais para receber uma indicação ao Oscar desse ano.
Disponível: Globoplay
MARIGHELLA
Dirigido por Wagner Moura com Seu Jorge, “Marighella” é um filme biográfico, que acompanha a história de Carlos Marighella, em 1969, um homem que não teve tempo pra ter medo. De um lado, uma violenta ditadura militar. Do outro, uma esquerda intimidada. Cercado por guerrilheiros 30 anos mais novos e dispostos a reagir, o líder revolucionário escolheu a ação. Marighella era político, escritor e guerrilheiro contra à ditadura militar brasileira.
Disponível: Globoplay e Amazon Prime Video
EDUARDO E MÔNICA
A clássica música da banda Legião Urbana, “Eduardo e Mônica”, virou filme em 2022 com direção de René Sampaio. Em um dia atípico, uma série de coincidências levam Eduardo a conhecer Mônica em uma festa. Uma curiosidade é despertada entre os dois e, apesar de não serem parecidos, eles se apaixonam perdidamente. Em Brasília, na década de 1980, esse amor precisa amadurecer e aprender a superar as diferenças.
Disponível: Globoplay
Por Letícia Zamboni (Estagiária)