O novo ensino médio começa a ser implementado oficialmente este ano nas escolas brasileiras públicas e privadas.
Segundo o presidente do Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed), Vitor de Angelo, a implementação vai começar pelo 1º ano do ensino médio, e a primeira mudança nas redes deverá ser a ampliação da carga horária para, pelo menos, cinco horas diárias.
Aprovado por lei em 2017, o modelo permite que alunos escolham a área do conhecimento que desejam cursar.
O Portal Costa do Sol ouviu o professor de Língua Portuguesa da rede estadual Guilherme Bonotto sobre a reforma.
“Vejo com bons olhos a teoria e com miopia a prática. A proposta de dar protagonismo ao aluno na escolha de algumas áreas do conhecimento que sejam mais próximas às suas aptidões e ao seu contexto parece não se encaixar no layout convencional das nossas salas e da formação do professor brasileiro de maneira geral”, opinou.
Bonotto também pontuou os desafios que enxerga na aplicação das mudanças, prevista para acontecer gradualmente até 2024.
“Vejo 3 desafios. O primeiro é físico. Não há salas preparadas e nem ambientes temáticos para oficinas na maioria das nossas escolas. A realidade é que muitas nem tem climatização adequada, o que há é a velha sala com carteiras, mesa do professor e quadro. Aquela mesma sala onde nossos pais estudaram”, pontuou.
“O segundo é o professor. Deram-lhe canetinhas novas, apagador, a grade de horários e um “boa sorte”. O material do aluno de 2022 é o mesmo do século passado: o livro didático. Este, bonito, colorido, cheio de imagens e temas legais para debater em aula. Fala-se em tecnologia, ciência, novas linguagens, mercado de trabalho etc, mas… tudo ali, em páginas, sem touch screen, sem ícone de ‘curtir’, sem som, sem play. O que ele tem em mãos é o bom e velho livro. Papel e tinta sobre a mesa”, relatou.
“O terceiro desafio é: cadê os profissionais que viabilizariam as aulas práticas, aquelas tão sonhadas oficinas, aquelas ‘profissionalizantes’? Não, não temos. Na verdade criaram-se novos nomes de disciplinas para serem ocupadas pelos professores da casa. Sim, o mesmo que recebeu a canetinha e o apagador. ‘Vai lá, professor, você já leu a proposta, já assistiu ao vídeo na reunião, agora use sua criatividade’.”, finalizou.
Em entrevista à Agência Brasil no começo do ano, Vitor de Angelo, que é secretário de Educação do Espírito Santo, citou, entre os desafios, a possibilidade de aumento da desigualdade entre regiões, estados e redes de ensino.
“No novo ensino médio, a gente pode ter todas as promessas de itinerários e de escolhas, mas para algumas redes. Outras podem não conseguir”, afirmou.
“O risco é ter escolas com alguns itinerários e outras não, regiões com alguns itinerários e outras não. Então, pode haver um aprofundamento das desigualdades dentro do país e dos estados, para não falar das redes privada e pública”, acrescentou.
Isso significa que um estudante pode não encontrar em seu município o curso técnico ou a formação que deseja.
“São cuidados que precisaremos ter, que não invalidam [o novo ensino médio], mas a gente não pode desconsiderar que isso existe para não achar que tudo são flores, que o novo ensino médio vai mudar tudo, vai trazer itinerários, ensino flexível adaptado aos alunos, que eles vão fazer o que quiser. As nossas escolas são as mesmas e elas têm dificuldades, os professores tiveram formação, mas não viraram a chave e mudaram de uma hora para outra, então é preciso ter cuidado com isso para não se frustrar”, disse Angelo.
Novo Enem
Para acompanhar a reforma do Ensino Médio, o Enem também vai passar por mudanças. Questões abertas ou discursivas serão valorizadas no novo Exame Nacional do Ensino Médio. Além disso, os estudantes que fizerem cursos técnicos terão bonificações na hora de concorrer a vagas no ensino superior.
As novidades foram apresentadas em março, em entrevista coletiva, pelo Ministério da Educação (MEC) e o novo Enem será aplicado a partir de 2024.
Segundo o MEC, as provas, que atualmente são compostas apenas pela redação e por perguntas objetivas de múltipla escolha, passarão a contar com outros formatos, como as chamadas questões abertas ou discursivas, nas quais o estudante escreve a resposta e não apenas seleciona uma opção.
“Estamos dando peso grande para a produção escrita do estudante”, explicou o secretário de Educação Básica do MEC, Mauro Rabelo.
Para melhor avaliação dos estudantes, o Enem passará ser composto por duas provas. Segundo Rabelo, o modelo atual de dois dias de aplicação dever ser mantido e, em um dos dias, os estudantes responderão a questões voltadas para a parte comum, direcionadas pela BNCC. Farão também a prova de redação.
As questões serão interdisciplinares, ou seja, abordarão mais de uma área de conhecimento e o principal foco será em português e matemática. A prova de inglês também será integrada às demais áreas.
“Pode ter uma questão de história com o texto escrito em língua inglesa para o estudante avaliar”, exemplificou Rabelo.
A segunda etapa do exame será voltada para a formação específica que os estudantes receberão no ensino médio.
Na hora da inscrição, os candidatos poderão escolher entre responder questões de linguagens, ciências humanas e sociais aplicadas; matemática, ciências da natureza e suas tecnologias; matemática, ciências humanas e sociais aplicadas; ou ciências da natureza, ciências humanas e sociais aplicadas.
As universidades vão decidir quais áreas serão cobradas para ingressar em cada um dos cursos ofertados. Dessa forma, um estudante que deseja cursar, por exemplo, matemática no ensino superior deverá escolher as questões cobradas para ingressar nesse curso.
Na avaliação de Guilherme Bonotto, o desafio maior dessa mudança não recai sobre o aluno, em si.
“No Enem, muda a forma de abordagem das questões, não o conteúdo em essência. A abordagem por áreas de conhecimento exige mais dos professores que precisam urgentemente se adaptarem nas suas práticas do que pro candidato que fará o exame. E quando falamos de professor se adaptar nas suas práticas, voltamos segundo desafio sobre o qual eu disse na pergunta anterior”, arrematou.
*Por Luiz Felipe Rodrigues, estagiário, sob supervisão de Renata Castanho