30 anos depois, documentário em formato de série revisita brutalidade do caso Daniella Perez

No dia 28 de dezembro de 1992, a atriz Daniella Perez foi brutalmente assassinada pelo colega de elenco Guilherme de Pádua e sua esposa Paula Thomaz. O caso chocou o país e resultou em uma alteração do código penal impulsionada por Glória Perez, roteirista e mãe da vítima.

O ator e professor de teatro Fernando Campos era pré-adolescente quando o crime ocorreu, mas já dava os primeiros passos na área.

“Foi chocante, realidade e ficção confundiram nós, telespectadores, de uma forma trágica. Não acreditávamos que aquele ator, talentoso, bonito, que fazia par ao lado da linda Daniela, era um facínora”, pontuou Fernando.

“Eu já fazia teatro, e mesmo muito novo, sempre fui fã das novelas, e não perdia um capítulo de ‘De Corpo e Alma’. Lembro-me de que este fato mexeu muito comigo, e em toda comunidade artística, foi um ‘estado de choque’ coletivo, não queríamos acreditar que o Bira tinha matado a Yasmin, que era o seu grande amor na trama. Acho que até hoje, ainda estamos desacreditados”, afirmou.

Às vésperas do 30º aniversário do ocorrido, a HBO Max lançou, nesta quinta-feira (21), a série documental “Pacto Brutal”. O trabalho promete explorar as investigações e materiais de arquivo para entender o que realmente aconteceu e apresentar a tragédia para uma geração que talvez não conheça a história.

A docusérie narra um crime de grande repercussão no país. O formato é similar a documentários produzidos recentemente pelo Globoplay, como “Em Nome de Deus” e “Caso Evandro”, e num passado não tão distante pela Netflix, como o “Bandidos na TV”.

A professora e crítica de cinema Maria Caú comentou ao Portal Costa do Sol a difusão deste gênero, em especial em tempos de streaming.

“O que a gente chama de true crime vive um boom no mundo já há certo tempo. Eu, que sempre fui fã do gênero, sei que existe um nicho de público apaixonado por esse tipo de conteúdo no Brasil, um público que inclusive consumia no passado programas como o Linha Direta, que teve múltiplas temporadas”, analisou Maria.

“O streaming obviamente permite que certas séries ou filmes se foquem num público mais específico, sem a necessidade da TV aberta de atender a uma ampla faixa de espectadores. O público do true crime é expressivo e fiel, mas não mais numeroso do que aqueles que rejeitam completamente o gênero”, ponderou.

Maria pontuou que, quando a Netflix lançou “Making a Murderer”, em 2015, observou que o público dessa série documental havia sido expressivo no Brasil.

“Identifiquei claramente que havia uma tendência para que projetos nacionais dessa natureza fossem bem aceitos. Essa tendência se confirmou e se ampliou no âmbito dos podcasts, um formato muito mais barato e que replica sucessos americanos como Serial”, contou.

“É natural que nos fascinemos com os extremos da experiência humana; ficar interessado pelos detalhes de um crime é uma curiosidade humana muito básica. Um crime é algo que move as nossas emoções, que nos faz questionar nossos valores e nossas certezas”, afirmou a crítica de cinema.

Para Maria, entender como alguém é capaz de cometer grandes atrocidades está no mesmo patamar de tentar compreender grandes atos heroicos ou os feitos de pessoas geniais, ou ainda aqueles que conseguem sobreviver a grandes tragédias ou superar imensos desafios.

“Trata-se de tentar entender os limites da alma humana. Casos como a morte da atriz Daniella Perez obviamente geram maior curiosidade porque marcaram uma geração; eu era criança quando o caso aconteceu e lembro dos adultos sussurrando, comentando os detalhes, e mudando de assunto quando as crianças chegavam. Lógico que a curiosidade opera”, analisou.

Na visão de Fernando, a curiosidade é, realmente, um ponto que pesa a favor de produções desse gênero, mas não há apenas interesse em entender os reais motivos de como tudo aconteceu.

“Também existe uma curiosidade mórbida, sórdida. Não me esqueço das piadas cruéis que faziam sobre o crime. Porém, acredito muito na importância do documentário, para que não nos esqueçamos deste fatídico episódio”, reforçou.

“O documentário tem esse poder de reavivar a história e fazer com que novas diretrizes jurídicas sejam analisadas e estudadas para agir em novos casos como o da Daniela”, concluiu Fernando.

Na mesma seara, o caso von Richtofen ganhou, em 2020, um filme duplo, com pontos de vista diferentes da história. Contudo, a escolha foi de fazer uma obra encenada ao invés de puramente documental. Maria Caú comentou as diferenças entre esses tipos de produção.

“Seria uma ilusão eu te responder que os documentários são mais fiéis à realidade. Não acredito em total isenção nunca, tudo é discurso. O Eduardo Coutinho, grande documentarista, costumava dizer que não existe a filmagem da realidade, mas a realidade da filmagem”, disse.

“Mesmo as obras documentais muitas vezes trazem passagens encenadas, de reconstituição do crime ou de seu contexto. Assim como se espera que as obras de ficção sobre crimes reais não modifiquem demais os fatos, se sabe que os documentários apresentam um dado recorte da realidade e não a totalidade dos fatos”, apontou.

A jornalista também aponta bons documentários que assistiu nos últimos anos, como I´ll Be Gone in the Dark (HBO), This Is a Robbery: The World’s Biggest Art Heist, Misha e os lobos, The Keepers (Netflix) ou A artista e o ladrão (Apple TV).

“O gênero inclui todo tipo de crime, e não apenas assassinatos, de forma que há obras também para aqueles que não aguentam uma densidade dramática muito intensa”, arrematou a crítica.

Além da participação de Gloria Perez, “Pacto Brutal”, sob a condução de Tatiana Issa e Guto Barra, traz depoimentos de rostos conhecidos como Cláudia Raia, Fábio Assunção, Raul Gazolla, Cristiana Oliveira, Maurício Mattar, Wolf Maya e Eri Johnson. Autoridades e advogados envolvidos também destrincham os detalhes do caso.

Fernando Campos comentou outros casos que merecem tal visibilidade, não apenas de homicídio, mas sobre a depressão no meio artístico.

“Recentemente, em 2020, o ator Flávio Migliaccio, grande nome do teatro e da televisão, deixou uma carta à família dizendo que a humanidade não deu certo, e cometeu suicídio. Em 2006, a atriz Ariclê Pérez também morreu de forma misteriosa: caiu da janela do seu apartamento”, citou Campos.

“Documentários com esta temática são importantes para entendermos a necessidade de um apoio psicológico e terapêutico, não só no meio artístico, para lidar com o sucesso e o fracasso, mas também para a sociedade de um modo geral”, finalizou.

A docusérie “Pacto Brutal” teve seus dois primeiros episódios já disponibilizados na HBO Max. Segundo o serviço de streaming, os três capítulos restantes chegam na próxima quinta-feira (28).

*Por Luiz Felipe Rodrigues, estagiário sob supervisão de Renata Castanho.

@mariaccau

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